Um pouco mais sobre Esperança
A personagem que estampa a ilustração deste post é Esperança, de Abutres no Fim do Mundo, HQ que estou trabalhando desde o final de julho. Chamo-a de “personagem” agora admitindo que, na época da concepção de Abutres, não tinha idéia de que se tratava, de fato, de uma “personagem” da história. Foi o Jonathan Pires, grande ilustrador e um dos amigos que fiz com as HQs, um dos primeiros que se referiu a Esperança como uma “persongem”. Ele disse que Esperança era uma de suas personagens preferidas. Aquilo foi como um estalo pra mim: a Esperança era uma personagem, quisesse eu ou não.
Tivesse eu planejado aquilo ou não.
É engraçado isso que acontece com alguns personagens: vocês já devem ter ouvido autores falando sobre a “vida” que eles adquirem, que mesmo se tratando de criações (algo que o autor cria e que pode medir, ajustar, orientar), no fundo as personagens possuem isso que podemos definir como a “vida do personagem”, a aura em torno dele. E essa vida seria mais ou menos algo entre a estranha soma do que constitui aquele personagem com suas atitudes e sua reação em relação aos “fatos em uma determinada trama”. Em resumo: por mais que você crie um personagem e determine o que ele fará na história, você no fundo também criou seus pensamentos, sua postura, sua atitude, e esses outros aspectos farão com que este personagem tenha atitudes que fujam do seu “planejamento e curso” iniciais.
Queira você ou não.
Foi essa mudança de status da Esperança que me fez retomar algumas coisas nestes últimos 2 meses, trabalhando na divulgação de Abutres, e foi isso também que culminou na ilustração deste post. Já tinha planejado alguns pinups de Abutres, mas quando fui fazer saiu em primeiro lugar Esperança. Mais densa, mais “hard”, mas ainda assim Esperança. E aí está.
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Relendo Abutres, dias atrás, fiquei analisando o momento exato em que Esperança aparece na HQ e o quanto ela acaba subvertendo a trama toda para um outro rumo, uma discussão entre fazer alguma coisa mesmo quando parece não haver mais nada a fazer ou se entregar de vez para os fatos. É exatamente isto que surge naquele instante, e que faz com que Abutres no Fim do Mundo se constitua também em um pequeno conto sobre fé e sobre seguir em frente.
Em um dos comentários que surgiram depois que Abutres ganhou as luzes do mundo, uma menina questionava, brincando – vale frisar – sobre o motivo pelo qual a história se chamava Abutres “no fim do mundo”. Ela questionava esta certa “fixação latente” na sociedade sobre o fim do mundo desde muito tempo. Eu dei risada quando li, achei correta a afirmação do comentário, e até nem me detive muito no fato. Mas os “Abutres” são do fim do mundo pois a história se passa exatamente ali, no “fim do mundo”, em um cenário pós-apocalíptico onde o personagem acorda e se vê sozinho, paralisado e sem ninguém, diante do famigerado abutre que vem lhe bicar o dedo do pé que acabara de voltar a mexer. E é nesse ponto em que a discussão sobre fazer algo ou não fazer acaba ficando tensa...
Imagine-se na mesma situação.Facilmente você diria, rindo sarcasticamente para a Esperança salvadora, que o mundo acabou, que não há mais nada a ser feito, e que as coisas estão assim porque estão, que são assim porque sempre foram, e jamais será diferente. E que não adianta ir contra a onda.E este é o ponto.Quantos nessa situação fazem exatamente o mesmo? Desistem? Decidem não fazer nada, pois não há nada mais a fazer?Quantos que você conhece? Muitos, eu diria. E diria que isso explica muita coisa em nosso mundo hoje...
Costumo sempre dizer, em algumas discussões, quando alguém critica as pessoas que reclamam por melhores condições de vida (acusando-as de que elas apenas reclamam e não fazem nada para melhorar o mundo) que elas não têm culpa, na verdade, por aquela situação, e que é de certa forma até “sacanagem” dizer que o sistema todo prejudica estas pessoas e que no fundo a culpa é delas...Mas na realidade, reconheço, não se trata de achar quem é o culpado – se trata de “o que estas pessoas estão fazendo pra melhorar a sua situação”, melhorar o mundo, melhorar a vida de todos. Pode ser que pequenos gestos não façam de fato diferença alguma, pode ser que fazer ou não alguma coisa não vá fazer a menor diferença – quem pode saber?, mas a verdade é que, se um dia alguma coisa mudar, será porque alguém fez algo para que aquilo se tornasse real.
Em Abutres no Fim do Mundo, o personagem que decide se entregar e não fazer nada permanece assim mesmo depois que a Esperança o salva e lhe chuta a cara. A inominável sensação de que algo tem que ser feito, e de que só é o fim quando você determina que é o fim, só desperta no personagem quando Esperança lhe questiona sobre a validade de seguir ou não, já que nada pode ser feito. Ela lhe pergunta o porquê da resistência sem sentido diante do imutável se o imutável é inevitável. E só depois disso ele decide lutar. Já era tarde? Quem pode saber... afinal de contas, o perigo nunca passa - ele apenas dá um tempo...mas no final, sempre volta, e da próxima vez, como em Abutres, “é melhor estar preparado”.
Portanto, não esperemos a Esperança chutar a nossa cara!
Afinal de contas, nunca sabemos quando vamos acordar diante dos fatos que aparentemente não podemos mudar, e talvez lá não exista uma Esperança entre nós e o Abutre. Mas aqui, hoje e agora, existe sempre uma escolha: fazer ou não fazer.
E pelo sim pelo não, façamos.
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Tinha uma professora, há mais de uma década, que via meus desenhos e dizia que meu traço era pesado, que o lápis era pesado, e ela dizia que o traço do artista expressava muito do interior, externava aquilo que se passava instintiva e subconscientemente. Analisando a Esperança deste post, vi o quanto mais densa ela me pareceu em relação a da HQ, os traços mais fortes, o conjunto todo meio “dark”.E fiquei pensando sobre isso tudo. Seria a noite?
Enfim: quem ainda não curtiu Abutres, pode ler e comparar.
E de repente encontrar uma resposta.
Grande abraço a todos, fiquem com Deus!
Márcio Rampi_23 de setembro/2011


Comentários
Muito interessante!
Sobre a ilustra,.. Po, muito foda!
Aquele ar de mistério no rosto dela matou a pau!
Show de bola!
Abração!
Ah, eu fiz uma parceria com o jerri, fizemos uma revista em mangá, vai sair semana que vem!